quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Cálice - Chico Buarque e Gilberto Gil



Em 1973 Chico e Gilberto Gil compuseram esta música, considerada uma das mais representativas na luta contra a ditadura militar e pela redemocratização, pois sua cadência pausada remete a uma marcha dramática cujos versos escancaram de forma incisiva o momento político.


Pai! Afasta de mim esse cálice Pai!
Afasta de mim esse cálice Pai!
Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Esta estrofe caracteriza a essência da música que a acompanhará em todos os momentos, pois o Cálice retratado detém uma ambuguidade entre uma passagem bíblica e o termo imperativo: Cale-se, este segundo, que retrata o momento ditatorial vivenciado no país e representa a repressão em todos os momentos da composição.


Como beber
Dessa bebida amarga
Tragar a dor
Engolir a labuta
Mesmo calada a boca
Resta o peito
Silêncio na cidade
Não se escuta


"Como vivenciar este momento de liberdade cerceada, engolir a seco toda as atrocidades cometidas sem que possa se contrapor ao sistema?"


De que me vale
Ser filho da santa
Melhor seria
Ser filho da outra
Outra realidade
Menos morta
Tanta mentira
Tanta força bruta...Pai!
De que me vale ser filho da pátria mãe gentil, se a realidade no Brasil é morte, tortura (mentiras utilizadas pelos militares que "justificavam" mortes com suicídios forjados) e truculência.


Afasta de mim esse cálicePai!
Afasta de mim esse cálicePai!
Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue...


Como é difícil
Acordar calado
Se na calada da noite
Eu me dano
Quero lançar
Um grito desumano
Que é uma maneira
De ser escutado

Nesta estrofe ele retrata a vida dos que se opunham ao sistema ditatorial, fazendo suas reuniões clandestinas, geralmente na calada da noite para no dia posterior colocar em prática as estratégias pensadas nestas reuniões, mas a vontade que sentiam em seu interior era gritar para tentar resgatar o povo, conformado e alienado com as progandas militares, deste estado de transe indeológico.

Esse silêncio todo
Me atordoa
Atordoado
Eu permaneço atento
Na arquibancada
Prá a qualquer momento
Ver emergir
O monstro da lagoa...Pai!

Nesta estrofe ele continua a idéia anterior, de que o silêncio do povo o atordoa, mas que ele não descançaria até ver (o emergir o monstro da lagoa) o povo revoltar-se contra o sistema e fazer a revolução do momento político, e isso se daria com o período de redemocratização do Brasil com a luta das "Diretas Já" onde o povo foi o maior agente transformador.


Afasta de mim esse cálicePai!
Afasta de mim esse cálicePai!
Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue...


Nas estrofes seguintes veremos que ele sempre criticará a ditadura e receberá uma advertência para calar-se, onde mais uma vez deixando a idéia de que o cálice é "Cale-se"

De muito gorda
A porca já não anda(Cálice!)


A Porca é o sistema ditatorial que neste momento (1973) não tinha mais o apelo e o apoio que tivera antes

De muito usada
A faca já não corta
Como é difícil Pai, abrir a porta(Cálice!)
Essa palavra
Presa na garganta

A faca refere-se às baionetas dos fuzis FAL 7.62, utilizado pelo exército brasileiro, que matou e torturou tanta gente.

Esse pileque
Homérico no mundo
De que adianta
Ter boa vontade
Mesmo calado o peito
Resta a cuca
Dos bêbados
Do centro da cidade...Pai!

O Pileque do mundo trata também da alienação da população sobre o momento político. Continua dizendo que mesmo calado, pensa e se coloca como bêbado, pois os "lúcidos" apoiavam a ditadura.


Afasta de mim esse cálicePai!
Afasta de mim esse cálicePai!
Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue...


Talvez o mundo
Não seja pequeno(Cálice!)
Nem seja a vida
Um fato consumado(Cálice!)
Quero inventar
O meu próprio pecado(Cálice!)
Quero morrer
Do meu próprio veneno(Cálice!)


Ao invés de morrer pelas mãos dos militares, prefere ele mesmo inventar seu pecado e seu veneno.


Quero perder de vez
Tua cabeça(Cálice!)
Minha cabeça
Perder teu juízo(Cálice!)
Quero cheirar fumaça
De óleo diesel(Cálice!)
Me embriagar
Até que alguém me esqueça(Cálice!)


Esta última estrofe trata justamente da inconformidade com a situação que poderia lhe custar a vida, e ele retrata uma forma de tortura utilizada pelos grandes ditadores, a aspiração de gases nocivos ao ser humano.
Link para a música:

Nenhum comentário: